:: Curiosidades entre as pandemias.


Gerson Soares

Conforme as pesquisas que fiz e da mesma forma descritas nas publicações que norteiam estas crônicas, a Hospedaria de Imigrantes do Brás veio suprir as deficiências da antiga Hospedaria do Bom Retiro. Mas a equipe do Museu da Imigração coloca uma pitada peculiar a esse fato e descreve que “nasceu, extraoficialmente, por causa de uma epidemia”. Ainda em fase de construção, teve de hospedar os imigrantes abrigados na outra, infestada pela varíola.

Em 1889, a febre amarela ataca o Brasil. Para cuidar dos imigrantes da hospedaria chega um médico que nos deixaria um grande legado. Seu nome, doutor Arnaldo Augusto Vieira de Carvalho. Diretor Clínico da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo desde 1894, foi incumbido em 1903 de organizar a Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo que nasce em 19 de dezembro de 1912.

O coronavírus chegou ao Brasil em 2020. Suspeita o povo que a doença tenha aportado junto com os turistas foliões, acusa o governador e o prefeito paulistas de terem esse conhecimento, mas mesmo assim não brecaram o Carnaval, festa tradicional e certeza de faturamento alto. Um século antes, em 1918, a gripe espanhola atingiu São Paulo e o hospital da Hospedaria de Imigrantes do Brás abriu as portas para receber os enfermos.

Monteiro Lobato, citado em “Hospedaria em Quarentena: A espanhola malquista”, dá conta dos fatos através de um conto: “Corriam boatos apavorantes a respeito desse hospital improvisado, onde – murmuravam – só se recebiam os pobres bem pobres e o tratamento era o que devia ser, porque pobre bem pobre não é bem gente. De modo que nada apavorava tanto o povinho miúdo como ir para a Imigração. Assim, ao voltar da rua e saber do acontecido, Isaura estarreceu. Foi como se o próprio inferno houvesse aberto as goelas e engolido os adorados doentes. Quem zelaria por eles?” [1]

 

Enfermaria dos homens na Hospedaria de Imigrantes do Brás. Foto: Acervo Museu da Imigração/APESP

 

Curiosamente, o nome dado ao mal que atingiu o estado nada tem a ver com a Espanha. O segundo surto da gripe espanhola desenvolveu caráter pandêmico e ocorreu entre agosto de 1918 e fevereiro de 1919 e foi esse que atingiu São Paulo a partir de outubro. O coronavírus surgiu na cidade de Wuhan na China e se espalhou pelo mundo, sendo chamado de “gripe ou doença chinesa”, algo abominado por eles. De qualquer forma, nesta era globolizada nem podemos atribuir somente aos chineses esse mal, mas dificilmente os orientais se livrarão disso.

Curioso também é terem surgido na sequência para levar milhares de vidas com peculiar exatidão. Para considerarmos a diferença exata de um século entre uma e outra pandemia, apenas um ano separa o primeiro surto da gripe espanhola ocorrida no século XX, dos primeiros casos notificados deste início do século XXI; “a espanhola” em 1918/1919 e “a chinesa” em 2019/2020. Ambas as virulências atingiram suas vítimas nas segunda décadas daquelas eras.


Referência bibliográfica
[1] Lobato, Monteiro. “Fatia de vida”. In: Negrinha, Citação publicada no livro “A gripe espanhola em São Paulo, 1918: epidemia e sociedade”, de Cláudio Bertolli Filho.

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